terça-feira, 16 de julho de 2013

[música legendada] Love is... (Common)


Produzido brilhantemente por Kanye West, o 6º álbum do rapper Common é considerado um dos melhores álbuns de música da primeira década do século XXI. Chama-se apenas "Be" - conforme indica o último verso da faixa homônima que abre o disco ("eu apenas quero ser"). Há diversos subgêneros nos quais os especialistas costumam rotular o rap de Common, da ordem ética (Political Rap) à ordem estética (Jazz-rap), passando pela ordem geográfica (Midwest Rap). Essa última se deve ao fato de Common ser natural de Chicago.

Achei traduções de apenas duas faixas desse álbum, não por acaso as duas melhores (pelo menos na minha opinião): Be e Real People, ambas no canal de youtube do usuário brunnnocosta - um camarada, aliás, que não brinca em serviço, já tendo traduzido faixas do Black Album de Jay-Z e do genial Illmatic de Nas.

A voz de Common é um dos ingredientes mais cativantes dos seus trabalhos. Talvez o componente primordial do hip-hop, a voz do rapper/MC é a base e o cimo de uma canção de rap. Enquanto dicções como a de um Ice Cube causam medo, tamanha a agressividade, a essência vocal de Common é mais melancólica (sobretudo na fase madura). Sua autenticidade é, pelo menos para mim, convincente. Digo isto porque existe uma imensa discussão acerca da teatralidade na voz de um rapper quando ele está cantando/declamando. Eu mesmo tenho alguma dificuldade, por exemplo, em apreciar o estilo um tanto "suspiroso" da linha Emicida-Projota-Rashid.

Common pauta-se sobretudo na dialética problema-solução: há miséria e maldade no mundo, mas há também esperança. Sua principal mensagem parece ser: se nós estamos diante disso, nós mesmos é que podemos resolvê-lo; ainda que o caminho seja paliativo, já é infinitamente melhor que nada (em Be ele diz "The present is a gift", cuja curiosa tradução literal para o português encerra uma ocorrência de homonímia: "O presente é um presente", que brunnnocosta traduziu como "O agora é um presente", e há também a opção "O presente é uma dádiva"). 

Não obstante, Common não é um ingênuo - ele reconhece a força esmagadora da realidade sobre a ilusão. Love is..., traduzida abaixo, trata dessa questão: para Common, o amor, tão difícil de se encontrar nas ruas, é uma importante saída que, todavia, abre o precedente para o aprisionamento das partes. O rapper nos alerta sobre o paradoxo da fuga da prisão da realidade para a prisão de um suposto "amor puro" (fugir implica "liberdade", daí o paradoxo) que, no final das contas, atrofia o "ser" (Be) perante aquilo do qual não se pode fugir, isto é, a vigília da realidade. Tenhamos amor não para escapar do real, mas para suportá-lo. 

As letras "mensageiras" de Common fizeram-no ganhar respeito em espaços que costumam desprezar a cultura hip-hop, não apenas os espaços de elite, mas também os que sustentam o senso comum do rap enquanto trindade Sexo-Drogas-Violência (no sentido pejorativo da coisa). Uma das "polêmicas" mais notáveis se deu quando o rapper foi convidado pelos Obamas para fazer uma apresentação num evento artístico na Casa Branca - Common foi criticado em várias instâncias, incluindo as midiáticas, basicamente pelo simples fato de fazer rap (que não é visto como uma cultura "decente" pelos canônico-elitistas). Um sintomático caso, que fez-me recordar das críticas depreciativas da controversa Danuza Leão ao governo Lula, quando, em certo ano de seu mandato, o mesmo realizou uma Festa Junina no Palácio da Alvorada.


GLOSSÁRIO
* vida loka = "thug" é simplesmente intraduzível, pelo menos na linguagem do rap. no dicionário pode-se encontrar "criminoso", "bandido", "malfeitor", mas no rap há toda uma filosofia de vida que envolve o termo, popularizada sobretudo através de Tupac e seus princípios do Thug Life. a escolha por "vida loka" é mais uma brincadeira com o uso dessa expressão que está muito em voga atualmente aqui no Brasil.
* crap = trocadilho da palavra "crap" (merda, porcaria) com "craps" (jogo de azar que utiliza dados, mais comum em cassinos, daí a referência em "black dames" - ao invés do famoso "amuleto" que é a dama de vermelho, temos a dama negra, ou "dama de preto", pois o "crap games" a que Common se refere é jogado nas ruas dos guetos - daí o "porcaria" - e não nos cassinos luxuosos)
* hood = também pode ser traduzido como "quebrada".
* Heartbreak Hotel = ver música que ficou famosa na voz de Elvis Presley

Imagem de fundo aqui.

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