sexta-feira, 11 de outubro de 2013

As 10 melhores Diss do Hip-Hop de todos os tempos segundo a revista Complex

Segue abaixo uma tradução da matéria da revista Complex sobre as 10 melhores tretas em forma de música no rap estadunidense, por Andrew Barber. Na matéria original são 50, mas coloquei aqui apenas as 10 primeiras. Muitas das letras já têm traduções disponíveis (basta clicar no link); das que ainda não se encontram, pretendo traduzir em breve para publicá-las aqui.

O que é treta? É quando sua mãe não está segura na rua?* Ou é, na verdade, o quinto elemento do hip-hop? Desde que Big Bank Hank, do Sugarhill Gang, pegou emprestado o caderno de rimas de Grandmaster Caz e usou suas letras sem creditá-las em Rapper’s Delight, MCs têm sido rivais por anos e anos.

O hip-hop é uma cultura construída em torno de machismo e fanfarronice – recuar ou perder uma batalha pode até ser prejudicial para a carreira de um artista. Com um simples deslize você pode acabar com uma passagem só de ida rumo ao ostracismo. Alguns MCs construíram carreiras inteiras procurando tretas com diversos artistas, enquanto outros tiveram suas carreiras destruídas em apenas algumas linhas. Mas o que começou com dois rappers simplesmente batalhando pela melhor rima transformou-se num grande negócio, com vídeos de paródias, shows previamente elaborados e álbuns inteiros gravados exclusivamente para as batalhas.

Prévias são constantemente lançadas para manterem os fãs entretidos enquanto os artistas se esforçam para encontrar maneiras originais e criativas de difamar seus adversários. Mães, mulheres e crianças têm sido envolvidas; e, na era do Youtube, um rapper, ao procurar briga, deve estar sempre com um cameraman ao lado. Assim, com as tretas sempre na moda, a Complex compilou as 50 melhores diss** de hip-hop para o seu consumo. Vegetarianos***, cuidado.

NOTAS

* Essas duas primeiras perguntas são versos da fantástica música What’s Beef, de Notorious B.I.G. (cliqueno link para ouvi-la com tradução).

** Diss é uma abreviação de “disrespect” (desrespeito). Na linguagem hip-hop é justamente a “materialização” da treta: uma música em que um ou mais rappers atacam um ou mais rappers. Aqui no Brasil não se traduziu o termo.

*** Trata-se de uma brincadeira com o termo original em inglês para treta, beef, cujo significado literal é carne (bife).

Alvo: Prodigy, Nas
Álbum: The Blueprint

Melhor trecho: Quatro álbuns em 10 anos, mano? Eu poderia dividir / Digamos que seja um álbum a cada dois anos / Dois deles foram merda / Um foi “Naaahh”, o outro foi o Illmatic / Isso é a média de um álbum bom a cada dez anos.

[NOTA: a piada do último verso consiste no fato de que, ao considerar apenas dois desses álbuns realmente bons, no fundo só o Illmatic é de fato dos grandes, enquanto o primeiro citado, provavelmente o It was written de 96, não chega a ser top de linha; daí, Jigga debocha de Nas e faz um trocadilho com o nome do rapper: Nas > Naahhh – uma maneira jocosa de dizer “nããaoo”].

Jay-Z e Nas tinham uma rivalidade de longa data e estavam engajados em uma luta de poder silenciosa durante anos, e os ataques permaneceram subliminares (um pouco) até que Jay-Z chamou Nas ao palco no Hot 97’s Summer Jam em 2001: “Perguntem ao Nas, ele não quer se meter com o Hov”. Nas, consequentemente, mordeu a isca e atacou Jay no seu freestyle único, o que levou Jay a gravar seu clássico Takeover.

A resposta de Jay foi trabalhada mais como um ensaio do que uma batalha de rap ao vivo, com Hov introduzindo o argumento, analisando os dados, levantando contra-argumentos e então concluindo. Prodigy, do Mobb Deep, foi atacado na segunda parte, mas isso foi completamente ofuscado pela treta de Jay com Nas. Em seus ataques a Prodigy, Hov focou na sua pequena estatura, nas poucas vendas e numa infame foto em que o rapper, então adolescente, está numa estranha pose de bailarino (Jay expôs essa foto no telão da Summer Jam de 2001).

A parte referente a Nas foi muito mais brutal, atacando a passagem decadente de Nas do topo da lista de MCs para um sujeito tão fraco que até seus guardas rimariam melhor que ele. Nas linhas finais, ele faz alusão a um suposto caso com Carmen Bryan, a mãe do primeiro filho de Nas. Muitos especularam que a carreira de Nas estaria acabada após Takeover, e alguns acreditam que Prodigy jamais se recuperou.
  
Alvo: Mobb Deep, Puffy, Junior M.A.F.I.A., Lil Kim, The Notorious B.I.G., Chino XL
Álbum: How Do U Want It [Single]

Melhor trecho: É por isso que eu comi aquela tua vadia, seu gordo filho da puta.

Reaproveitando o beat de uma música popular do oponente? Confere.  Alegando relações com a mãe do filho do oponente? Confere. Zombando do físico do adversário e chamando-o de imitador? Confere. Vídeo-paródia? Confere. Deixando seus parceiros entrarem em ação? Confere. Trocando em miúdos, 2pac aperfeiçoou e personificou a fórmula da diss em Hit em up, incorporando todos os elementos para sair vitorioso contra seus adversários.

No entanto, ao chutar o balde, Pac iniciou a transformação do que seria apenas uma luta de rimas numa guerra que acabou dividindo toda a nação hip-hop. O que começou como uma treta entre dois rappers (Biggie e 2pac) tornou-se uma batalha entre toda a Costa Oeste (cujo quartel-general era a Death Row Records) com toda a Costa Leste (Bad Boy Records), os principais rótulos  do hip-hop no momento. Isso enlouqueceu a mídia, que criou a famosa Guerra do West Coast versus East Coast, tornando-a rapidamente a treta mais divulgada e sensacionalista de todos os tempos.

Na esteira de Hit Em Up, dois dos maiores talentos do hip-hop (B.I.G. e 2Pac) seriam mortos (dois assassinatos que continuam sem solução), mudando a cara do hip-hop e das tretas para sempre. Esta batalha será sempre uma lembrança de que, se não forem levadas na esportiva, tretas de rap podem rapidamente tornar-se tretas reais, com conseqüências terríveis.
  
Alvo: Jay-Z
Álbum: Stillmatic

Melhor trecho: Eminem acabou com você na sua própria merda / Você é um pau-no-cu bufado / Você adora chamar atenção.

Após Jay-Z lançar Takeover, um gigante adormecido despertou em Nas  - era o chute na bunda que ele precisava para pôr sua carreira de volta nos trilhos.

Depois do clássico sample vocal “Foda-se Jay-Z”, um Nas muito mais venenoso irrompe, acusando “Gay-Z” de ser um Stan de Nas [referênciaao clássico de Eminem], e questionando Hov em seu uso excessivo de reciclagens de letras de B.I.G. Tão vicioso foi o ataque que o termo éter entrou para a gramática do hip-hop, e a música sem dúvida serviu para Nas reviver a sua poderosa e atemporal influência.

Alvo: Juice Crew, MC Shan, Queens, Marley Marl, Roxanne Shante
Álbum: Criminal Minded

Melhor trecho: Manhattan continua fazendo / Brooklyn continua na tiração / Bronx continua criando / E Queens continua na falsidade.

O Boogie Down Productions iniciou a treta com MC Shan e o Juice Crew em South Bronx e definitivamente terminou em The Bridge is over, o pesado golpe de misericórdia daquela que viria a ser conhecida como a “guerra de Bridge”. Repleta de tiradas clássicas, The Bridge is over foi lançada em resposta ao Kill that noise de MC Shan, com um flow bem ao estilo reggae de KRS-One, no qual ele afirma orgulhosamente que o hip-hop nasceu no Bronx. Depois disso Queensbridge permaneceu – a carreira de MC Shan, não.
  
Alvo: Jerry Heller, Ruthless Records, NWA
Álbum: Death Certificate

Melhor trecho: É um caso de dividir e conquistar / Pois você deixou um judeu quebrar minha turma.

Após Ice Cube deixar o N.W.A por causa de uma disputa financeira, sua ex-banda atacou-o nos álbuns 100 Miles & Runnin e Efil4zaggin, comparando Cube ao mais famoso traidor da história americana, Benedict Arnold. Cube respondeu com o extremamente visual No Vaseline, uma exposição das táticas e negócios obscuros de Eazy-E e Jerry Heller (o empresário do N.W.A.) cheia de insultos gays e raciais.

Possivelmente mais ofendidos do que os membros do N.W.A., ativistas e críticos de direitos civis fizeram fila para pintar Cube como homofóbico e anti-semita. O N.W.A. nunca respondeu à diss, e Dr. Dre deixou o grupo e a Ruthless Records logo depois, alegando também questões de compensação financeira.
  
Alvo: Luke, Tim Dog, Ruthless Records, Eazy-E
Álbum: The Chronic

Melhor trecho: Costumava ser meu parça / Costumava ser meu ás na manga / Agora eu quero bater com gosto na sua boca.

Com a fama construída em torno de controvérsias e tretas, a Death Row Records revolucionou a maneira como as diss eram gravadas e apresentadas ao público com Dre Day. É claro que rappers parodiavam outros em videoclipes antes, mas a Death Row investiu pesado nas tretas, elevando o nível da arte de batalhar. O clipe bombou na MTV e na BET e teve uma série de comediantes e atores retratando sua lista de inimigos.

Não era mais apenas sobre a música – o visual agora era igualmente importante. Dr. Dre e seu protegido, Snoop Doggy Dogg, responderam à diss de Luke (Fakin Like Gangsters) e Tim Dog (Fuck Compton), mas era o ex-parceiro de Dre, Eazy-E, o ponto central de Dre Day, música e vídeo, construídos em torno de um personagem chamado Sleazy-E [sleazy = esquálido, sórdido]. Dre Day mudou as tretas de hip-hop para sempre, jogou Tim Dog no ostracismo e apresentou ao mundo o termo “Frisco Dyke” [gíria para lésbicas da cidade de San Franscico; na música, Snoop Dogg usa o termo para se referir à mãe de Eazy-E].
  

#7. Canibus "2nd Round K.O." (1998)
Alvo: LL Cool J
Álbum: Can-I-Bus

Melhor trecho: Com raiva de mim porque eu representei naquela porra o sentimento real dos manos / Enquanto 99% de seus fãs usam salto alto.

Em 1997, o veterano LL Cool J convidou os mais promissores jovens do hip-hop para participarem da faixa 4, 3, 2, 1 do seu álbum Phenomenon. Após ouvir os versos iniciais do recém-chegado Canibus, LL pegou no seu pé na linha “L, isso é um microfone no seu braço, me empreste ele” (referência à tatuagem de um microfone no braço de LL) e insistiu para que ele reescrevesse o verso.

Canibus concordou e o revisou, mas quando a música foi lançada, os versos de Canibus foram removidos (ele só apareceu no remix) e LL Cool incluiu um trecho em que salienta a audácia de Canibus em pedir seu “microfone”.

Canibus estudou minuciosamente seu oponente e o respondeu com 2nd Round K.O., um dos melhores raps de treta de todos os tempos, com vocais de Mike Tyson. Ele atacou LL por ser admirado apenas por mulheres, por mentir a respeito da ideia de que seria um modelo exemplar livre das drogas, e por ser um MC inferior ao mudar seu verso em  4, 3, 2 1 depois de ouvir o que Canibus escreveu.
  
#8. Common "The Bitch In Yoo" (1996)
Alvo: Ice Cube
Álbum: Relativity Urban Assault
  
Melhor trecho: Hipócrita, eu estou assinando o seu atestado de óbito / criando gírias com torta de feijão e St. Ides na mesma frase.

Ao se ofender com a analogia de Common em I used to Love H.E.R., que inclui o trecho “Eu não ficava rabugento por ela estar com os caras da quebrada”, Ice Cube dedicou uma diss para o MC de Chicago na Westside Slaughterhouse de Mack 10, dizendo “Todos esses cuzões querem uma diss com o Pacífico, mas esses manos posudos nunca são específicos / Se costumava amar ela é porque nós fudemos com ela / Seu cachorrinho da mamãe, sem bom senso algum.”

Common rapidamente retaliou em The Bitch in Yoo, lembrando a Cube que não havia “pose” em Common e que ele era apoiado pela gangue de rua Four Corner Hustler. Disse que Cube era um gangsta ultrapassado que não fazia algo bom desde o Amerikkka’s Most Wanted e que agora se contentava com umas amostras grátis no grupo Westside Connection. A treta eventualmente foi encerrada quando o ministro Louis Farrakhan interveio e propôs a reconciliação entre os dois.
  
#9. LL Cool J "To Da Break Of Dawn" (1990)
Alvo: Ice T, MC Hammer, Kool Moe Dee
Álbum: Mama Said Knock You Out
  
Melhor trecho: Mas eu sou a bebida que você entorna com gelo / Enquanto aquela bizarrice que é seu álbum é algo inútil.

Durante a longa e bem-sucedida carreira de LL Cool J, muitos rappers tentaram e não conseguiram derrotar James Todd Smith no ringue. Em To da break of dawn, LL mirou seus detratores (Kool Moe Dee e Ice-T) e um espectador aparentemente inocente (MC Hammer), e matou três coelhos numa só cajadada. Dedicando uma parte pra cada alvo, LL ridicularizou Kool Moe Dee por usar óculos escuros estilo Star Trek, chamou MC Hammer de professor de ginástica e brincou em relação ao primeiro emprego de Ice-T num estacionamento. No final, LL saiu vitorioso contra todos os seus adversários, efetivamente esmagando Moe Dee, Hammer e uma namorada de Ice T.

Alvo: Entire Murder Inc. Roster, Ja Rule
Álbum: Get Rich Or Die Tryin'

Melhor trecho: Eu estou de volta ao jogo, nanico, pra governar e conquistar / Você canta pra vadias e soa como o Cookie Monster.

À época do lançamento do primeiro álbum de 50 cent, Get Rich or die tryin’, no início de 2003, a maioria dos fãs de hip-hop já tinha virado as costas para o outrora loucamente popular Ja Rule e passado para o lado do novo garoto do pedaço: Curtis Jackson.

Embora 50 cent tenha iniciado uma campanha de calúnias contra Ja Rule durante anos (já em Life’s on the line em 2000), incluindo hilárias esquetes e mixtapes, foi só em Back Down que 50 aplicou o verdadeiro nocaute. Os ataques de 50 deixaram a carreira de Ja em frangalhos e criaram um novo verbo para o glossário de tretas no hip hop: ser “Ja Rulado”. A disputa ainda está em andamento; 10 anos se passaram, e Ja ainda  está tentando recuperar o sucesso de outros tempos desfrutado.

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